sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Bateu asas e voou!

Aves e insetos têm asas. Morcegos têm asas. Os aviões têm asas. As xícaras costumam ter asas. Entre os olhos e a boca temos asas nasais. E é bom darmos asas à imaginação. Mas de onde vem a palavra?

É preciso esclarecer que, em português, as asas andam misturadas, algo que não ocorre em espanhol, francês e italiano. "Asa" (que ajuda a voar) e "asa" (que ajuda a pegar) têm origens etimológicas diferentes.
A palavra "asa", com relação ao voo, vem do latim ala, que resultou ala, em espanhol; aile, em francês (no antigo francês, ele); ala em italiano.
Mas uma xícara não é alada. Sua asa reporta ao latim ansa, "cabo", com o qual se pega alguma coisa. Aliás, ansa também designava "oportunidade". Provavelmente o adjetivo easy, em inglês, "fácil", "acessível", provém daí. Com uma asa é mais easy segurar alguma coisa!

Em francês, a parte saliente de um cântaro, de um cesto chama-se anse; em espanhol, asa; em italiano, ansa. Em português temos "aselha", que é uma pequena "asa".

As asas portuguesas e brasileiras assistiram a uma convergência entre os vocábulos latinos ansa e ala. O verbo "asir", que já existia no século XVI, significa "segurar", "agarrar"... pela asa, que se escrevia aza, cinco séculos atrás.

segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Zica... posso tirar!

No formspring, um leitor deixou como desafio uma única palavra: "zica".

Que é, na verdade, contração de "ziquizira", sinônimo de "urucubaca". Estamos no campo do azar e do inexplicável.

No Novo dicionário banto do Brasil, Nei Lopes ensina que "ziquizira" é qualquer doença misteriosa que não se deve nomear. Se você tem uma ziquizira no braço, é algo que não pode nem sabe explicar. Um azar que vem sabe Deus de onde. Porque ainda há uma outra palavra relacionada a ziquizira: "quizila", do quimbundo kijila — "preceito", "regra".

Todo mundo tem suas quizilas, seus preceitos/preconceitos, suas restrições e antipatias. Coisas que não suportamos, que nos causam repulsa e... alergia! Os orixás têm suas quizilas também, como nos conta Mario Cesar Barcellos, em seu livro Orixás e a personalidade humana: Iansã não gosta de abóbora, Oxum detesta abacaxi, Iemanjá não aceita poeira, Oxosse não quer ovo.

Naquela canção de Edu Lobo e Gianfrancesco Guarnieri, Upa neguinho (1967), aparece a palavra "ziquizira". Elis Regina cantando:


domingo, 23 de janeiro de 2011

A etimologia mora ao lado

Conversando ontem com um vizinho, eis que ele, interessado também em etimologia, me perguntou de onde vem a palavra "vizinho"!

Em latim, vicinus referia-se àquele que é do mesmo bairro ou da mesma aldeia. Este adjetivo remetia ao substantivo vicus, com que se designava uma reunião de casas, um bairro ou uma rua. Outra palavra no mesmo campo semântico era villa, significando "quinta", "aldeia".

Como, em geral, os vizinhos possuem características e circunstâncias semelhantes, a palavra ganhou sentido especial de proximidade entre conceitos e realidades, em frases como "uma situação vizinha da calamidade".

sábado, 22 de janeiro de 2011

A Fazenda e seu Ministério

Uma criança, quando ouviu a expressão "Ministério da Fazenda" pela primeira vez, perguntou: "E lá eles têm boi, cavalo, plantação de batata?". A pergunta é mais pertinente do que parece.

Ao Ministério da Fazenda cabe formular e executar a política econômica do Brasil. A palavra "fazenda" procede do latim vulgar *facenda, e já se referia a riqueza e bens. O termo liga-se ao ativíssimo verbo latino facere — "executar", "cumprir", "produzir".

Em princípio, *facenda deveria significar "coisas a serem feitas", a exemplo de "agenda" (coisas que aguardam o meu agir), "legenda" (coisas que devem ser lidas), "memorando" (o que precisa ser lembrado) e "oferenda" (coisas a serem oferecidas). Trata-se do particípio futuro passivo latino.

Para além da gramática, a praticidade levou "fazenda" a significar "o que já está feito". Um tecido pode ser chamado de "fazenda" porque já está devidamente tecido.

O ministro Guido Mantega, economista com formação sociológica, pode ser visto, se quisermos usar o tempero etimológico, como o principal "fazendeiro" do Brasil. Porque precisa cuidar do que está feito, do que está sendo feito e do que há para se fazer.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

O ministério dentro d'água

É compreensível que num país como o Brasil, com o litoral que tem e a quantidade de água que nele corre — lembremos nomes de alguns estados como Alagoas, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, do Sul etc. —, é compreensível que exista um Ministério da Pesca e Aquicultura, criado no entanto há muito pouco tempo, em 2009, no dia 29 de junho, Dia do Pescador. Ideli Salvatti ocupa o cargo maior deste Ministério.

A palavra "pesca" é redução de "pescar", que teve no verbo *piscare (do latim vulgar) seu antecessor, por sua vez proveniente do latim clássico piscari, vinculado a piscis, "peixe".

A etimologia demonstra uma curiosa lógica: em princípio pescar é pescar peixe, e só. Mais tarde, caiu na rede é peixe e outras coisas mais. "Pescar" vai ampliar seu alcance — apanhar outros animais marinhos, como a lagosta, buscar coisas na terra, surpreender alguém em flagrante e até captar realidades abstratas: "pescar ideias", "pescar intenções"...

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Do continuum ao contínuo

Um visitante/navegante fez o seguinte comentário no formspring: "Olá, gostaria de saber a origem da palavra continuum. Tive uma ideia para um texto e essa palavra é crucial, porém não conheço sua definição exacta, e não a encontrei em lugar nenhum. Desde já agradeço."

A palavra continuum designa o que não tem lacunas nem interrupções, ou o que nos parece não ter. Reporta-nos à noção de união e, em sentido moral, à noção de continência e autocontrole.
Répteis (1943), de  M. C. Escher

Outro "parente" semântico, um tanto distante, é o termo "continência", entendido como saudação militar. O soldado faz um gesto contido, que reflete obediência contínua e constante estado de alerta.

Por trás de tudo encontramos o verbo latino tenere, com vários significados: "ter", "obter", "manter", "reter", "conter"...

Há ainda um outro "parente", o substantivo contínuo, "empregado", "servente", segundo o Aurélio: "indivíduo de qualquer idade, empregado em escritório para fazer trabalhos de entregas, visitas a bancos; bói, boy". Chama-se contínuo porque, sendo o empregado subalterno, aquele em que todos mandam, a todos obedece ato contínuo, imediatamente.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Ministro serve para servir

Ministro que não serve... não serve para ministrar. É o que nos ensina a etimologia.

A palavra se usa no campo da política e da religião. O poder dos ministros está a serviço dos outros. Em latim, ministerium designava o ofício do servo. Ministra significava "escrava", "assistente" e "sacerdotisa".

Dilma Rousseff e seu ministério (2011)
Na palavra latina minister está presente o comparativo minor, "menor". A grandeza de um ministro está em se tornar o menor de todos, aquele que se esforça por servir.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Um tango para os otários

Recebi a seguinte mensagem pelo formspring: "Recentemente, um fato chamou a atenção dos meios de comunicação. Um eminente político brasileiro chamou um menino de 'otário'. E aí, caro professor, qual a etimologia de 'otário'?"

Caro navegante dos infomares, a palavra "otário" chegou ao Brasil na década de 1920, pela Argentina. No lunfardo, gíria usada pela malandragem de Buenos Aires, significava o "ingênuo", o "tolo", aquele que pode ser facilmente enganado. O tango Se acabaron los otarios ajudou a difundir o termo.



E a gíria na Argentina nasceu, por sua vez, da linguagem científica, da designação de otários aos leões-marinhos, mamíferos da família Otariidae (com relação ao grego otarion, "orelhinha"), animais pesados e lentos. Associamos sua falta de agilidade à tolice (hipótese avalizada por Silveira Bueno).

O personagem Leôncio, nas histórias do Pica-pau, é um leão-marinho com sotaque sueco que faz esse papel de bobão, em contraste com o pássaro espertinho.

Há etimólogos, como Mário Eduardo Viaro, que oferecem outra hipótese. De que a palavra nasceu da expressão "un notario", o tabelião, mais plausível por ser proveniente do mundo urbano.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Meu caro colega!

Um frequentador deste blog pergunta a origem da palavra "colega".

Ser colega de alguém pressupõe algum tipo de associação ou parceria, de caráter profissional, religioso ou acadêmico. Num colegiado, órgão em que os membros participantes têm os mesmos poderes, cada colega deve ser respeitado pelos demais como um companheiro, um igual.

No latim, collega refere-se ao verbo colligere, "reunir", composto por cum ("com") + legere ("colher").

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

Presepistas, presepadas e presepeiros

Edison Junior, frequentador deste blog, pergunta sobre a origem da palavra "presepada", cujo significado parece bem distinto dos associados a "presépio".

Caro Edison, curiosamente a palavra "presepada" continua vinculada a "presépio".

Os dicionários registram "presepeiro" e "presepista" em relação àqueles que constroem presépios. Uma profissão semelhante à do santeiro, que faz imagens de santos.

No entanto, o limite entre o bem-acabado e o tosco, entre a autenticidade e a farsa, é sempre muito tênue. Quando o presepeiro não fazia um bom trabalho, o que era para ser uma pequena obra de arte, em honra ao nascimento do Menino, transformava-se numa verdadeira presepada.
A palavra migrou para todos os cantos. Sempre que alguém arma um espetáculo ridículo ou grotesco vira um presepeiro, um farsante, um inconveniente.